quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A menina dos olhos de lupa em: Acontecências.


A menina dos olhos de lupa acordou num desses dias de primavera, atenta para a essência da vida, das flores, do dia, das cores, tudo ao seu tempo.

E atenta que estava ao momento ela ouve algo, um som não homologado. Era estranho, era como se alguém tivesse encontrado as suas letras
e agora estivesse cantando todas em alto e bom som, cantando seus sentimentos com outras palavras, milimetricamente ensaiadas.

Ela sorriu um prazer delicado e pungente, correu para a varanda em busca da fonte sonora: na rua, um menino sentado na calçada tocava violão e olhava para o céu, abismado com as cores celestes ao entardecer.

A menina respirou sua última esperança, ajoelhou-se, olhou o céu e chorou.

O tempo se passou, ao som do tic-tac viciado do relógio que se apropria de tempos alheios, e então, num cenário modificado, ela acordou.

De súbito, novamente, ela ergue-se do sono, das suas viagens oníricas. Estava devendo uma visita a janela das acontecências, seu costumeiro lugar de escape para dentro de outros universos. Corre para lá, o que ela avista? Algo que seus olhos não conseguem acreditar. De mãos vazias, envolto pela leveza do silêncio e das flores primaverísticas espalhadas pelo chão, lá estava ele. Tinha transformado toda sua docilidade em um olhar, rápido, porém certeiro como flecha inflamada de um flecheiro em direção a presa.

Com as mãos apertando as bases da janela, como quem quer pular para junto da sua descoberta, ela pergunta. Porque olhas tão rapidamente? Talvez saibas que seus olhos não mente, pensava ela, com um meio riso nos lábios, formando parênteses.

Ele, tímido, trepidante, branco como a branca blusa que veste, agora se deixa avermelhar, como se as rosas que jaziam no chão ao seu lado tivessem cedido o seu rubor, para que ele pudesse mascarar as emoções. Que rosas tão solidárias (ou ordinárias, dependendo de que ponto de vista da história você apegou seu coração). Ele nada dizia, enquanto dizia tanto. Apenas olhava.

A menina dos olhos de lupa olha espantada, e num ato de pura sutileza, fecha a janela. Mas algo transcendia e sugava sua alma-menina em fulgores relutantes, e ela, simplesmente se deixava levar. Ela fecha os olhos, negros olhos, espelho convexo de almas alheias, prepara-se para mais uma de suas empreitadas. A sua respiração ofega em contraste com as batidas do seu coração e ela pensa: que menino ousado! O menino que cantou minhas dores com sua voz, e contou minha história em suas rimas sem métricas, agora embaralha minhas notas musicais harmoniosas, deixando meu coração descompassado. O que fará ele após disso? Pergunta algo para o qual já tem a resposta previamente digitada em sua mente sem lembranças recentes. Ela sentia a janela com suas costas. Os olhos abrem, mas parecem resistir em reviver. Abrem e fecham diversas vezes num único instante.

Mas, não há escolha: é vida!A menina percebe-se estranha, algo acontecera. Ela, sempre tão espontânea quanto seus cabelos postos ao vento, se percebe tímida! Que brio, alguém a intimidou. Troféu para ele, pensa ela!

Ela que tantas vezes teceu caminhos de migalhas, disfarçada de códigos e frases desconexas, agora se apruma, ergue os braços para o alto, seus dedos se entrelaçam, e espreguiçando ela sai, atrás do moço, dono do olhar mais tateável que ela já viu.

Ela sabe que pode presenteá-lo com algo de valor semelhante as mais preciosas jóias, e num chão ladeado por elas, ela sai, arrastando os pés pela areia, Grão a grão. Vagando em ondulações contínuas. Os seus rastros convidativos se assemelham a cordas, se amarram àquele rapaz que nada diz, apenas segue, impressionado por si mesmo, abandonando as rusgas de um coração tão duro quanto pedra. Sua expressão imprecisa deixa clara a sua inconstância de sentidos. E isso, como encanta a menina do olhos de lupa, que vê além dos muros intransponíveis de sua alma. Agora simplesmente tudo se faz estrada, e eles apenas seguem.Caminham a ermo para a floresta. Sentam um de costas para o outro, e põem se a tecer histórias não datadas em suas mentes ávidas por descobertas e aventuras. Constroem um inventário com as pedras, e com as flores molduram sonhos, emoções e suas loucas confissões.

Ela o ensina a superar a tempestade que fustiga o elo frágil de suas correntes, ela é sua fortaleza agora. A ilha para onde ele olhava em meio ao caos reviravolto, quando as ondas, com sua boca gigante, ameaçava devorá-lo. Ela é a suave queda de pára-quedas com chuva mansa, a molhar sua face, lavando suavemente as marcas do cansaço aparente, de forma contínua, resvalando enquanto o vento acalenta as idéias. Ela é a sensação boa de borboletas voando no estômago, de um lado pro outro, suspensas em passos de dança. Ela é a própria dança a balançar seu corpo. E ele é o pouso que ele faz em sí mesmo. A menina dos olhos de lupa não se demora nas palavras. O timbre da voz que ela não pode mais ouvir. Deixou perdido em seus ouvidos, numa dessas noites em que as estrelas penduradas no varal voaram e se dispuseram em seu olhar, todas ao mesmo tempo. Constelações se alternando em mensagens ininterpretáveis. Tornado-se enormes espetáculos à menina que afinal, tem olhos de lupa, e pode agigantar a simplicidade dos atos. Derrepente, concentrada no olhar ela pensa, que nem mesmo as tardes de contínuas horas de conversas se comparariam, aos textos e pretextos proferidos.

Ela se confessa cativa. Ele rí, gabando-se da sua situação liberta. Ela se ergue num subto de indignação e o desafia: então, baila comigo? o teu "eu livre" e o meu "eu cativo"?Quem sabe meu coração não pegue o seu, com as mesmas correntes que você ousou prender-me? E derrepente ele deixou de ser metade, como se a sonoridade do tilintar dos passos dela envoltos naquela perfeita dança, chamasse seus sentimentos mais secretos para fora da toca. Alí estava ele, em plena sensação de liberdade. E a dor dos sentimentos rememorados e repletos de mágoa, então, onde estavam? Teriam os ventos do oeste os carregado com ele lá para as margens de suas insanidades? Não se sabe. Sabe-se apenas que Ela, a menina dos olhos de lupa, levou embora seus restos de correntes que o mar deixou. E enquanto se despediam, ela em silêncio, sabia, pois que todo silêncio do mundo não seria suficiente para acalmar essa inquietude, deixava apenas a suntuosa despedida bradar. Ele a olha mais uma vez, dessa vez, demoradamente, se aproxima, porém ela põe a a mão nos seus lábios e diz decididamente:

_ Não diga nada, não faça nada, apenas guarde meu timbre em seus ouvidos.

Continua depois

Por: Narriman B.

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